Em sua edição de 28 de abril, a revista científica The Lancet publicou um especial sobre a juventude que nos traz algumas questões interessantes. Segundo o periódico, um quarto da população mundial se enquadra na faixa dos 10 aos 24 anos, o que corresponde a 1,8 bilhão de “adolescentes” no planeta. Nunca fomos tantos jovens.
A opção por usar a palavra adolescente para se referir a uma faixa etária tão extensa causa um certo estranhamento. Afinal, pessoas com 10 anos não seriam ainda crianças? E a adolescência não teria seu fim com a maioridade legal (no caso brasileiro, aos 18)? Bom, nem tudo é preto no branco quando a biologia e as ciências humanas se encontram. É fato que a puberdade vem chegando cada vez mais cedo, daí a extensão do limite inferior. Seja pelo aumento da qualidade de vida ou pela erotização da sociedade - ambas hipóteses válidas e que ajudam a explicar o fato -, nossas meninas têm em média sua primeira menstruação antes de suas avós. Entretanto, a fronteira que separa a adolescência da maturidade é muito mais tênue e polêmica.
Como não há uma efeméride biológica que marque com precisão o ingresso na vida adulta, restam marcos sociais para definir o fim da adolescência: o casamento, o primeiro emprego fixo ou o primeiro filho. Só que esses marcos vêm ocorrendo cada vez mais tarde. Pode-se argumentar que os jovens estejam demorando mais para amadurecer; mas também pode ser que o próprio protelamento desses marcos seja um sinal de maturidade.
Em tempos antigos, com uma expectativa de vida muito mais baixa, era natural que os jovens se tornassem adultos mais cedo. A Julieta de Shakespeare, por exemplo, ouve de sua mãe que já está ficando velha e que deve se casar. Detalhe: ela ainda não havia completado 14 anos. Esse tipo de pressão em nossa atual sociedade seria impensável, o que não quer dizer que não tenhamos nossas Julietas modernas - meninas que acabam se casando jovens demais por não terem se precavido adequadamente contra uma gravidez indesejada. No entanto, esses casos são a exceção à regra, e a gravidez na adolescência é para nós uma questão a ser combatida por meio de projetos nas áreas de educação e saúde pública. Se hoje as mulheres demoram a ter seu primeiro filho, é porque têm acesso a meios contraceptivos e, portanto, podem escolher o momento de engravidar.
Assim como no exemplo da maternidade, o protelamento dos outros marcos que delimitam o ingresso na vida adulta não deve ser visto necessariamente como resultante de um mundo mais imaturo - pelo contrário. Com menos pressa para crescer, os nossos “adolescentes” têm a chance de adquirir mais experiência antes de se comprometer com decisões que podem alterar todo o seu futuro. Casam-se mais conscientes do impacto que isso terá, diminuindo as chances de um divórcio; moram mais tempo com os pais, estudando por mais tempo e, consequentemente, aumentando suas chances de sucesso profissional; ou então, sem amarras, têm mais oportunidades para investir em si mesmos.
A neurocientista Suzana Herculano-Houzel, autora do livro “O cérebro em transformação”, explica que, na sua reorganização para a maturidade, o cérebro perde boa parte de sua capacidade de sentir prazer. Essa seria uma das causas da chamada “aborrescência” - as mudanças de humor, o tédio e a queda por atividades carregadas de adrenalina. Se por um lado isso pode levar a comportamentos de risco (e é fato que adolescentes estão mais sujeitos a mortes violentas, como demonstra a pesquisa da The Lancet), por outro, essa mesma busca pelo prazer pode se apresentar na forma de criatividade, com possibilidades revolucionárias. Basta pensarmos em algumas das maiores e mais importantes empresas da atualidade: Google, Apple e Facebook. Todas são fruto de ideias desenvolvidas por adolescentes criativos.
Leva-se muito tempo para ser jovem, já dizia Pablo Picasso. Se hoje as fronteiras entre a juventude e a maturidade já não são tão nítidas, quem sabe o nosso conceito do que é ser “adulto” também não esteja mudando? Afinal, a inquietação e o inconformismo típicos da adolescência não precisam mofar num canto escuro, pois não é o tempo cronológico que vai definir quem somos. Como o grande poeta da geração dos anos 80 cantava para a sua legião urbana, “temos nosso próprio tempo”.
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