sábado, 26 de abril de 2014
A repórter da Globo e a "revolta popular" contra a vênus platinada
Para quem não vem acompanhando muito o mundo real de Copacabana e o virtual do facebook, no dia 22 de abril um jovem, conhecido como DG foi assassinado no Morro Pavão-Pavãozinho. Só que o rapaz era dançarino do programa "Esquenta", da Rede Globo. O fato então tomou proporções muito maiores do que as de outros tantos assassinatos de pretos pobres ocorridos diariamente no Brasil. Some-se a isso as manifestações que fecharam as ruas do bairro contra a UPP, apontada pela comunidade do Morro como responsável pela morte, e temos então um caldeirão midiático.
No meio de tantas notícias, surgiu um vídeo de um jornal chamado "A Nova Democracia" no qual se vê uma repórter da Rede Globo brigando com a equipe para, depois, ser alvo da revolta de transeuntes. Optei por não colocar um link aqui para não contribuir com a popularidade do que considero ser um ato que beira o fascismo. Mas muitas pessoas aplaudiram essa atitude, pois "estão cansadas da manipulação" promovida pela emissora ou coisas do gênero.
No meio de todos os comentários e manifestações virtuais sobre UPPs, conivência ou não da imprensa com abusos governamentais, qualidade da imprensa brasileira e afins, o que me chamou muito a atenção foi um mini editorial do site Pragmatismo Político sobre o ocorrido. O site volta e meia lança discussões bastante interessantes, mostra-se comprometido com a defesa dos direitos humanos etc e tal. Mas é engraçado ver como essa postura "pragmática" se contradiz e, para criticar os outros órgãos de imprensa (de novo, "a grande imprensa", "as empresas jornalísticas" ou o "PIG"), não hesita em distorcer o ocorrido e tentar manipular o leitor.
Comecemos pela manchete: "Repórter da Globo tem ataque de raiva e é rechaçada". Bom, em primeiro lugar a repórter não dá nenhum ataque de raiva: ela briga, sim, com a equipe porque seu microfone foi desligado e isso não deveria acontecer. Ela poderia ter sido mais bem educada? Com certeza. Mas isso, definitivamente, não caracteriza um "ataque de raiva". Ela não gritou, não cometeu nenhuma agressão física, não xingou, não se descabelou. Enfim, chamar aquilo de "ataque de raiva" é, no mínimo, uma hipérbole.
Passemos à segunda oração, "e é rechaçada". Tudo bem, a palavra "e" não indica necessariamente uma consequência. Mas é o que o texto leva a crer, ou seja: repórter tem ataque de raiva e por isso é rechaçada. Mas basta assistir ao vídeo - editado pelo Jornal Nova Democracia, é bom frisar - para vermos que uma coisa não tem nada a ver com a outra. As pessoas gritando com a repórter não falam que ela é mal-educada, trata mal a equipe ou qualquer coisa do tipo. Falam para ela editar na PQP, 'vai falar que UPP é para quê?' etc, ou seja, rechaçam a emissora, e não a jornalista em si.
O texto, de três parágrafos, dedica dois a falar sobre a morte de DG e os protestos. Apenas o segundo parágrafo se relaciona à manchete. E esse parágrafo tem 2, DUAS, linhas. E completamente desconexas, ainda por cima: "Nas ruas de Copacabana, a equipe da Rede Globo foi rechaçada por populares. Uma jornalista da emissora foi flagrada tendo um ataque de raiva (vídeo abaixo)".
Bom, pelo menos aqui eles deixam claro que é a globo sendo criticada, não a repórter. Mas, novamente, se você não assistir ao vídeo, será levado a crer que algo diferente aconteceu. Pelo texto, parece que a repórter fica com raiva porque os "populares" estão falando mal de sua empregadora. Bom, sabemos que não foi esse o ocorrido: Primeiro ela brigou com a equipe e DEPOIS ouviu a revolta dos "populares".
Aliás, a escolha da palavra "populares" é bem interessante... Por que populares? São famosos? Não. São do "povo"? Hmmm, acho que é por aí. Mas o que é "o povo"? Quem é o povo? Normalmente, quando "popular" é usado como substantivo, é para designar alguém que não é de elite. Será então que aquele casal claramente de classe média é "o povo"? Ou não fazem, sim, parte da elite cultural e econômica do país? Vale lembrar que elite não significa classe AAA e que, no Brasil, ser da classe B já é fazer parte de uma minoria bastante diminuta. De novo, mais uma barra bem forçada com a intenção de manipular aqueles que não tiverem paciência de assistir à cena.
Finalizando, por que aplaudir a pessoas que estão xingando profissionais e tentando impedir que eles trabalhem? Pode-se claramente ouvir gritos de "mentirosa" e "assassina". Hein? Assassina??? Olha a difamação... E você, como se sentiria tentando trabalhar com duas pessoas histéricas berrando impropérios no seu ouvido? Incrivelmente, a equipe não fez nada e tentou, na medida do possível, continuar trabalhando. O que faz com que as pessoas se sintam tão à vontade para dar um ataque de pelanca na rua e querer ter uma ingerência sobre a vida alheia? No meu vocabulário, isso se chama AUTORITARISMO e não tem NADA A VER com uma "nova democracia". É democrático mandar um profissional largar o emprego? Bom, se o "popular" estiver oferecendo trabalho à repórter, pode estender a oferta a mim porque a vida não tá fácil não.
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